segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Morte e Vida Severina- continuação da leitura da obra para os alunos das 3ª séries A e B da E.E.Prof.Roque Bastos-Ibiúna-SP, 2013.



Da obra de João Cabral de Melo Neto, págs.47 a 50- Editora Nova Fronteira- ed.2000.

" Encontra dois homens carregando um defunto numa rede, aos gritos de: "Ó irmãos das almas! Irmãos das almas! Não fui eu que matei não!" "

- A quem estais carregando,
irmãos das almas,
embrulhado nessa rede?
dizei que eu saiba.
- A um defunto de nada,
irmão das almas,
que há muitas horas viaja
à sua morada.
- E sabeis quem era ele,
irmãos das almas,
sabeis como ele se chama
ou se chamava?
- Severino Lavrador,
irmão das almas,
Severino Lavrador
mas já não lavra.
- E de onde que o estais trazendo,
irmãos das almas,
onde foi que começou
vossa jornada?
- Onde a Caatinga é mais seca,
irmão das almas,
onde uma terra que não dá
nem planta brava.
- E foi morrida essa morte,
irmãos das almas,
essa foi morte morrida
ou foi matada?
- Até que não foi morrida,
irmão das almas,
esta foi morte matada,
numa emboscada.
- E o que guardava a emboscada,
irmãos das almas,
e com que foi que o mataram,
com faca ou bala?
- Este foi morto de bala,
irmão das almas,
mais garantido é de bala,
mais longe vara.
- Equem foi que o emboscou,
irmão das almas
quem contra ele soltou
essa ave-bala?
- Ali é difícil dizer,
irmão das almas,
sempre há uma bala voando
desocupada.
- E o que havia ele feito
irmãos das almas,
e o que havia ele feito
contra a tal pássara?
- Ter uns hectares de terra,
irmão das almas,
de pedra e areia lavada
que cultivava.
- Mas que roças que ele tinha,
irmãos das almas,
que podia ele plantar
na pedra avara?
- Nos magros lábios de areia,
irmão das almas,
dos intervalos das pedras,
plantava palha.
- E era grande sua lavoura,
irmãos das almas,
lavoura de muitas covas,
tão cobiçada ?
- Tinha somente dez quadras,
irmão das almas,
todas nos ombros da serra,
nenhuma várzea.
- Mas então por que o mataram,
irmãos das almas,
mas então porque o mataram
com espingarda ?
- Queria mais espalhar-se,
irmão das almas
queria voar mais livre
essa ave-bala
- E agora o que passará,
irmãos das almas,
o que é que acontecerá
contra a espingarda?
- Mais campo tem para soltar,
irmão das almas,
tem mais onde fazer voar
as filhas-bala.
- E onde o levais a enterrar,
irmãos das almas,
com a semente do chumbo
que tem guardada?
- Ao cemitério de Torres,
irmão das almas,
que hoje se diz Toritama,
de madrugada.
- E poderei ajudar,
irmão das almas?
vou passar por Toritama,
é minha estrada.
- Bem que poderá ajudar,
irmão das almas,
é irmão das almas quem ouve
nossa chamada.
- E um de nós pode voltar,
irmão das almas,
pode voltar daqui mesmo
para sua casa.
- Vou eu, que a viagem é longa,
irmãos das almas,
é muito longa a viagem
e a serra é alta.
- Mais sorte tem o defunto,
irmãos das almas,
pois já não fará na volta
a caminhada.
- Toritama não cai longe,
irmão das almas,
seremos no campo santo
de madrugada.
- Partamos enquanto é noite,
irmão das almas,
que é o melhor lençol dos mortos
noite fechada."

COMENTÁRIO DO PROFESSOR: Neste trecho o persongem Severino encontra com um esquife, onde levam um defunto que foi morto por uma emboscada e ferido à bala. Um dos que levam o corpo estabelece uma interlocução com a personagem Severino, o que na língua escrita fica evidente pela presença do travessão. Aos poucos Severino vai conhecendo melhor o fato e entende-se que ele demonstra interesse em ajudar a levar o corpo ao seu destino final que é o cemitério de Torres ou Toritama, lugar muito longíquo.
Interessante é observar que o termo "irmão das almas" sempre se repete ao longo da estrofe e se refere a Severino, enquanto que "irmãos das almas" se refere às outras pessoas que participam do cortejo fúnebre.Pelas citações entendemos o alto grau de dramaticidade em face à razão ou motivo da morte de "Severino Lavrador". O motivo bem fútil mas considerável devido à seca e miséria do lugar, porque Severino Lavrador possuía uma pequena propriedade com um roça humilde, que para os demais que não tinham e estavam em situações mais precárias, era um motivo de disputa pela sobrevivência. Pode considerar a possibilidade deste crime ser visto como uma forte questão de sobrevivência e, que daria margem para outros crimes da mesma natureza acontecessem com mais frequência. Severino propõe ajuda aos que levam o corpo, pois, faria o mesmo caminho. No meio da enorme tristeza de todos,pode-se perceber a solidariedade,a compaixão e o amor ao próximo, peculiar aos seres humanos que vivem em situações semelhantes.
Prof.Sérgio Luiz de Mello









2 comentários:

  1. Trecho belissímo de profunda dor e beleza singela. Convido a todos os meus alunos que possam opinar sobre o trecho. Será um prazer lê-los!!
    Prof.Sérgio

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  2. Coloquei também fotos das cenas e da capa do filme da Globo que assitiremos após os trabalhos com a obra literária.

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